Não É Fácil E Nem Rápido Escrever Um Livro

Tiago Toy
5 min readJan 18, 2021

Pelo que vejo em fóruns de discussão sobre escrita, a produção de um livro é bem distinta de indivíduo para indivíduo. Enquanto alguns defendem que é crucial todo um planejamento, outros clamam escrever no embalo da inspiração.

Eu fico com o primeiro grupo.

Para o meu próximo livro, que está na segunda revisão e que será lançado em 2021 pela Faro Editorial, foi um longo caminho até eu chegar ao que ele realmente se tornou.

A primeira ideia que tive, lembro bem, foi há três anos, durante a hora de almoço em meu último emprego formal, de onde saí há um ano e meio e desde então me dediquei à escrita em tempo integral. Como eu não via representação suficiente de temas brasileiros no gênero de terror — geralmente os autores cediam para estrangeirismos — pensei como eu poderia contribuir para mudar isso.

O melhor exemplo de terror envolvendo folclore era — e ainda é — O Escravo de Capela, do escritor e cineasta (e meu amigo pessoal, além de ser meu autor brasileiro favorito e inspiração profissional) Marcos DeBrito.

Se eu fosse investir minha energia para criar algo, esse seria o nível onde eu tinha que começar, não abaixo.

De pronto, uma das primeiras lendas que me vieram à cabeça foi a da Iara.

Ok, uma sereia. Agora como fazê-la assustadora?

O padrão para histórias de terror com as criaturas metade mulher, metade peixe era sempre o mesmo: usando o canto para enfeitiçar, as belas sirenas atraíam suas vítimas para a água e então as matavam. O clichê estava fartamente servido. Descartei essa parte da lenda.

Havia também a representação física da personagem. Eu não pretendia escrever uma história com nuances de sedução — meu intuito inicial era realmente aterrorizar, além de evitar tanto quanto pudesse o lugar-comum. Além disso, eu não queria ir para o inexplicável, então descartei também as escamas e as membranas típicas dos animais aquáticos, pois não seria humanamente possível. Não poderia ser metade peixe. Tinha que ser… outra coisa.

Piche? Cauda de piche? Membranas de piche? Interessante. Teria que encontrar uma causa para isso, mas era o de menos. Estava decidido sobre o piche.

Havia ainda a questão das “brânquias”. E se ela tivesse cortes no pescoço que remetessem a guelras? E assim a aparência de cadáver seria traduzida como o retorno dos mortos de uma alma vingativa? Uma vítima, com as pernas e mãos envolvidas em piche quente e talhos na garganta. Sim, não era uma sereia, mas lembrava uma sereia. Afinal, eu não poderia me aprofundar demais no folclore, ou correria o risco de não criar uma história universal. Se fosse possível, que o livro cruzasse as fronteiras do país.

Foi só a partir desse ponto que comecei a pensar na história.

Nos dias que se seguiram, sempre que tinha uma ideia nova eu parava o que estava fazendo para anotar. Às vezes eram pequenas cenas, ou só detalhes ainda desconexos.

Durante o horário de almoço, aproveitava o interesse de duas colegas de trabalho que sempre estavam comigo para fazer brainstormings. Elas, leitoras ávidas, escutavam minhas ideias e me ajudavam a enxergar inconsistências que eu teria que consertar. Muitas vezes, enquanto eu tinha a oportunidade de falar em voz alta o que estava pensando, eu mesmo encontrava soluções. Isso durou alguns meses.

Depois, esfriou. Fiquei algum tempo sem pensar na história porque o trabalho estava começando a me aborrecer — falei sobre isso em outros textos aqui no Medium (depressão, Asperger, falta de objetivos, etc.). Até que, um dia, resolvi escrever a primeira cena. Levei três dias para desenvolver totalmente as oito páginas.

Na época, uma dessas colegas havia saído da empresa, então mostrei apenas para a que restou, a Simony — que anos depois eu decidiria homenagear e usar o nome na história. Ela aprovou e recomendou que eu continuasse. Mais ideias vieram, e mais uma vez o negócio esfriou.

Esqueci o texto no notebook, sem saber que somente um ano depois eu voltaria a pensar na história. Quando recebi a proposta de apresentar algumas ideias à editora, foi justamente essa a escolhida pelo meu editor. E, depois de penar atrás do arquivo, que eu quase havia perdido por conta de um problema no notebook, recuperei o texto e os arquivos com todas as anotações que havia colecionado, e comecei a remontar a ideia.

De início, precisei redefinir praticamente tudo.

O protagonista seria homem, e acabou virando mulher. O motivo do retorno dela era um; acabou sendo outro. A trama seguiria com foco no mistério sobre um crime; depois, acabei com o mistério nas primeiras páginas e apostei em uma linha mais psicológica, em que a premissa não era quem matou, mas o desenvolvimento da culpa de quem cometeu o crime. As oito páginas iniciais, escritas anos antes, foram descartadas. Depois, foram novamente reintegradas. E de oito se tornaram cinco. Diversas cenas apavorantes que eu já tinha desenhado na mente terminaram deixadas de lado, pois não somariam em nada para a história além de aumentar o número de páginas e serem visualmente e apenas legais.

No fim, o livro de terror que eu havia idealizado acabou se tornando um romance psicológico com uma construção mais forte e madura.

Desde a ideia inicial, em um banco sob um pé de jabuticaba, até a entrega do original ao meu editor, foram entre dois anos e meio e três anos. E, se lançarmos até a próxima Bienal, terão sido mais de três anos do início até o lançamento.

Ufa! Não é fácil escrever um bom livro. Mas é o que amo fazer, e o que faço melhor.

Aliás, já tenho a ideia inicial do meu próximo projeto literário: uma abadia. Sim, é isso e, por enquanto, nada mais. Sempre que penso na “minha” abadia, o quadro Dante e Virgílio no Inferno, do pintor William-Adolphe Bouguereau, acompanha o meu pensamento.

E órfãos.

Um surto coletivo.

Um bosque.

Por ora as peças estão espalhadas. Mas, consigo ver, existe algo intrigante nessa confusão. Logo sentarei com calma e começarei a dar sentido ao quadro geral.

Logo fará sentido, como tudo faz, cedo ou tarde.

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Tiago Toy

Tiago Toy é autor do livro Vozes do Joelma (Faro Editorial), cujos direitos foram adquiridos para o cinema. Atualmente trabalha em seu próximo livro.