Eu Seria Ilustrador Se Não Fosse Escritor

Tiago Toy
6 min readJan 18, 2021

Não somos nós que escolhemos nossa paixão: é a nossa paixão que nos escolhe.

Por toda a minha vida eu me senti frustrado por não saber o que queria fazer. Se em um momento eu estava certo de que seguiria pelo caminho da hotelaria, no minuto seguinte eu começava a estudar para concurso público. Ou se hoje eu anunciava aos quatro ventos que iria para a capital ser ator, amanhã eu decidiria que desenvolveria aplicativos.

O que sempre me fez decidir apostar em caminhos aleatórios era a necessidade de encontrar um sustento. Aí, eu descobria quanto eu poderia ganhar com determinada profissão, e pronto: lá estava eu mais uma vez perdido.

Precisei ser derrubado pela depressão — e ser diagnosticado com Asperger aos 35 anos, quando busquei um psiquiatra — e posteriormente me empenhar no tratamento para que, quando os parafusos começaram a se encaixar nas suas respectivas porcas, eu finalmente enxergasse qual era a minha vocação, e assim me dedicasse exclusivamente a ela. Desde então, a escrita se tornou um hábito, uma rotina, algo sagrado em minha vida. Não passo um dia sem escrever.

O gosto pelo storytelling despertou cedo em mim, antes mesmo de eu aprender a escrever. Minha alegria era ser presenteado com cadernos de sulfite e caixas de lápis de cor e canetinhas hidrográficas. O mundo podia acabar enquanto eu estivesse imerso em minha própria imaginação. Através dos desenhos, eu contava histórias.

Sempre fui o aluno nº 1 quando se tratava de Língua Portuguesa e Educação Artística. E, enquanto na primeira eu era o preferidinho dos professores, que ficavam maravilhados com minhas histórias engenhosas — que geralmente pendiam para o terror —, na segunda eu ativava o modo empreendedor e vendia serviços artísticos. Se a professora pedia que na próxima aula entregássemos uma ilustração de autoria própria de alguma arte famosa — Abaporu, Baile Popular, O Lavrador de Café —, na próxima aula diversos alunos entregariam suas artes (feitas por mim com traços diferentes para cada um) em troca de um humilde e justo R$ 1 (na época era uma fortuna).

Tirei vantagem do meu “dom” — como muitos chamaram sempre que viam minhas ilustrações — com alguns professores (homens exclusivamente). A cada início de matéria nos grandes brochurões eu gostava de fazer um desenho, e os meus eram as personagens femininas do Mortal Kombat nuas. Desenhei também a Tiazinha e a Feiticeira, do extinto programa H. Um professor de Língua Portuguesa em especial a-do-ra-va pegar o meu caderno para corrigir. Obrigado, Kitana e Mileena.

No início da adolescência, um admirador da minha avó me levou para conhecer um sobrinho dele, Carlos Reno, que fez a arte brilhar nos meus olhos. Fiquei maravilhado com todos aqueles livros que ensinavam técnicas de ilustração, e ainda mais com o que ele fazia depois de muitos anos de estudo. Dali, comecei a ter aulas de desenho com ele.

O problema, desde o começo, era ter que desenhar o que mandassem que eu desenhasse. Para mim, desenhar era um hobby, algo que eu fazia para me desligar, para relaxar. Sempre que desenhava, eu esquecia da hora. Às vezes passava cinco, seis horas (ou mais) entregue aos rabiscos. Criava histórias em quadrinhos, caricaturas, retratos. Mas se me era dada a tarefa de entregar na aula seguinte algo pré-definido, o tesão esfriava. Ao todo, comecei aulas de desenho três vezes, mas nunca durei muito tempo.

Em 2001, na exibição da novela Um Anjo Caiu do Céu, me apaixonei pelos croquis de moda exibidos nos capítulos. Então, comecei a criar os meus próprios, mesmo sem ter qualquer noção de moda ou entendimento sobre tecidos, tendências, costura. As roupas simplesmente apareciam em minha mente e lá ia eu colocá-las no papel. Por muitos anos acreditei que meu caminho seria me tornar estilista.

Em 2009, quando me mudei para São Paulo, ficou difícil encontrar tempo e espaço físico para desenhar. Durante o primeiro ano e meio morei em pensões e repúblicas, e depois comecei a trabalhar, e acabei deixando os desenhos de lado. Ocasionalmente o bichinho da arte me picava e eu desenhava dias seguidos, mas logo os abandonava de novo.

Mais tarde ganhei uns trocados com minha arte. Sou apaixonado pela arte drag (Rupaul’s Drag Race é meu maior guilty pleasure) e sempre que podia desenhava algumas das queens. Depois, quando estreou o web reality Academia de Drags, apresentado pela Silvetty Montilla e exibido no YouTube, ilustrei algumas das meninas, o que atraiu atenção delas — afinal, ninguém “perdia tempo” desenhando drag queen que não fosse uma Ru Girl.

Com esses desenhos, certa noite a hoje famosa e respeitada Rita Von Hunty me chamou no bate-papo do Facebook e pediu meu número. Poucos minutos depois, estávamos conversando no telefone. E, meses depois, na final do programa, pude aproveitar a minha pequena fama entre as drags para entrar no camarim antes do show. Lembro que, em um corredor muito estreito, fiquei de frente com a Silvetty, enquanto ela parecia estar morrendo de medo que eu fosse roubar as joias dela.

Em 2017, abri uma conta no Instagram separada da minha pessoal para publicar minha arte. Ali, além de conseguir alguns trabalhos, fui abordado por algumas drag queens famosas de Rupaul’s elogiando as artes que eu havia feito delas. Uma das vencedoras, inclusive, Bianca Del Rio, me procurou depois de compartilhar um desenho que eu havia criado dela, interessada em usar a arte em uma camiseta. Trocamos uma ideia, ela disse que logo o assistente dela me procuraria… e ainda estou esperando.

Outras queens me contataram: Detox, Kelly Mantle, Derrick Barry, Biqtch Puddin’ (vencedora da 2ª temporada de Dragula). Além delas, a atriz Betty Gofman me mandou mensagem e compartilhou um desenho que fiz da Dona Bela, personagem da Betty na Escolinha do Professor Raimundo.

Fui procurado também para criar uma arte com o tema ‘Female Strengh’ (Força Feminina), que seria exibida em uma galeria em Nova Iorque. Recebi pelo PayPal, mas nunca soube que fim levou a tal exposição.

Perceba como meu traço não fica tão bom quando faço por trabalho, mesmo sendo pago

Os anos foram passando, os desenhos foram diminuindo…

E hoje não sei precisar quando foi a última vez que desenhei. Vez ou outra sinto algo lá no fundo acender, geralmente quando encontro alguma arte que me faça parar e admirar.

Britney Spears

Um dia, quem sabe, se bater a vontade ou surgir a oportunidade, eu volto a rabiscar. Pagando bem… Por ora, sigo no meu caminho e me dedico exclusivamente à escrita. É essa a minha verdadeira paixão.

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Tiago Toy

Tiago Toy é autor do livro Vozes do Joelma (Faro Editorial), cujos direitos foram adquiridos para o cinema. Atualmente trabalha em seu próximo livro.